quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Indigência na vida e na morte

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Martírio da família: cortejo entre o Jangurussu ao SVO passou por ruas e avenidas de Fortaleza
7/3/2008. A família do catador de lixo morto não consegue ajuda de órgãos públicos para transportar o corpo ao SVO

O catador de lixo José Carlos Ferreira de Sousa, de 39 anos, mesmo depois de morto, foi protagonista ontem de cenas de desumanidade, abandono e crueldade. Ele morreu nas primeiras horas da manhã de ontem e, sem conseguir transporte para levar o corpo, após pedir ajuda a diversos órgãos públicos, a comunidade e sua família decidiram transportá-lo na carroça de guardar lixo em que ele trabalhava, num cortejo entre o Jangurussu, passando pelo Frotinha de Messejana até chegar no Sistema de Verificação de Óbitos (SVO), na BR-116, sob o sol escaldante.

Maria José da Costa Rodrigues, irmã de Sousa, disse que, desde a última segunda-feira ele estava doente, com sintomas de febre, diarréia e vômitos. No entanto, somente na última quarta-feira, por volta das 16h30, levou o irmão ao Frotinha de Messejana, onde foi atendido e liberado no mesmo dia. Lá, conforme Maria José, ele tomou quatro litros de soro, fez exames de sangue e ficou em observação.

“Ele foi atendido por dois médicos, que disseram que poderia ser dengue. Eu disse para o doutor que não podia levar um homem daquele jeito para casa, até porque não tinha nem o dinheiro do transporte”, relata. Mesmo assim, o paciente foi liberado pelo hospital.

Chegando em casa, Maria José conta que deu um banho no irmão, um copo de suco e ele foi se deitar. Por volta das 5h da manhã, ela o encontrou morto, fora da rede e sentado no chão, envolto de fezes. Foi daí, então, que começou a peregrinação para tentar levá-lo ao Frotinha de Messejana.

A família pediu ajuda à líder comunitária do bairro, Antônia do Socorro dos Santos, para levar o irmão ao SVO. Ligaram para o 190, telefone da Coordenadoria Integrada de Operações Policiais (Ciops), 192 do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e para o a Secretaria Executiva Regional (SER) VI.

Cortejo

Sem conseguir transporte, informação ou orientação de como proceder, a líder comunitária sugeriu à família que colocasse o corpo de José Carlos no carrinho em que trabalhava catando lixo, já que a família também não tinha dinheiro para pagar os R$ 60,00 cobrados pela funerária para levar o corpo.

Em cortejo, seguiram de onde a família mora, num barraco no pé da rampa do antigo aterro do Jangurussu, passaram pela Avenida Perimetral, em direção ao Hospital Frotinha de Messejana.

Foi quando a reportagem os encontrou, sob o sol forte de mais de 11h. O corpo estava enrolado com um lençol e acompanhado de pessoas da comunidade. O cortejo fúnebre do catador de lixo chamava a atenção da população. No entanto, por insensibilidade, medo ou indiferença, nesse trajeto, nenhuma pessoa sequer parou para oferecer ajuda.

Ao chegar no Frotinha de Messejana, somente um familiar pôde entrar e novamente o corpo de catador de lixo ficou do lado de fora do portão. Nem mesmo os policiais do Ronda do Quarteirão, parados em frente ao hospital, manifestaram-se para ajudar.

Como a unidade hospitalar não aceitou José Carlos morto, a família recebeu encaminhamento social para os serviços de funeral e orientação para levá-lo ao Sistema de Verificação de Óbitos (SVO), que fica localizado na BR-116.

Chegando lá, a pele de José Carlos já estava esverdeada e seu corpo exalava mau cheiro. Sem dignidade, desrespeitado e excluído, o catador de lixo foi levado para necropsia.

De acordo com Maria de Fátima Rodrigues, irmã do catador de lixo, o SVO irá liberar o corpo hoje, às 7h, e o sepultamento ocorrerá às 8h, no cemitério do Bom Jardim.

Paola Vasconcelos- reportagem

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