terça-feira, 29 de setembro de 2009

Em resposta à miséria na calçada.

Perdoe.
Quero dizer, não perdoe a negação de ter a que foste condenado.
Espera nessa calçada- cama
a lama vermelha que te assaltará juntos as cachorros moribundos
com quem compartinhas noites, misérias e sujeira.
Não és ninguém, escutas a todo tempo da boca
que nega um tostão de consolo e te joga qualquer coisa a comer.
Feijão, arroz carne e bife com batatas
Almoço no restaurante do outro lado da rua
e tu, amigo em miséria distinta,
não tens sequer um braço
que te jogo na íris da rua
e te faça menos gente.
Pois que fosses animal,
um cachorro de madame que tem todo o luxo
e serve para lamber a ferida nas caras burguesas da república do pão e circo.

Vai, te aconselho a viajar, definitivamente,
lá nao terás nada a pedir nem a sentir
O mais completo vazio que toda alma transborda agora.
que mude
O que nos une?
Não sei?
Um deus, uma tempestade, uma vírgula no fim de um texto inteiro,
muito medo de morrer e tu continuares,
uma esperança do porvir,
uma saudade daqui, a toda hora.
O pavor de ir embora
e o mundo mudar de opinião.
Mas, e o universo que nos une?
Quatro paredes estreitas
estrelas estridentes num céu sem rima
refúgio do refratário poder de amar
sem manter segredo um pro outro.
O poema preferido?
mas palavra nenhuma resolve a poesia
nesse instante.

sábado, 26 de setembro de 2009

Caminho de volta!
Minhas muletas tropeçam sobre elas mesmas.
Sobre a lembrança do beijo partido na partida
sorvo o meu instante agora, quando caminho.
Vomito teu nome e todos vêem.
Sangro pela ponta dos dedos as histórias que te contei a noite inteira.
Poemas ditos
papéis revelados outra vez
medo de não restar mais nada
e um fio no coração diz que tudo pode estar perdido.
ma so amor, esse sim, absoluto
me sustenta no caminho cambaleante de volta

Eu já era tão céu e nem sabia
Fiz- me inferno quando condenei a mim e aos outros
a uma culpa que era de dentro do meu inferno.
Cruzo com pessoas, quais são elas, o que são em meio a tudo isso que só pertence a mim
Não tenho resposta nem para dizer te amo d e novo
e volto engasgado do pé ao coração inteiro sem força pra desejar bom dia.

terça-feira, 22 de setembro de 2009


Dois velhos comendo- Goya

Acordo às seis da manhã sonhando escrever um poema que te acorde
Mas o sol chegou primeiro e advinhou que
tudo já não é mais o mesmo.
A esperança de desenhar o mundo completo e suas estações
turvaram-se como um sonho mal lembrado.

Recordo as coisas todas que cantamos juntos
enquanto o tempo, passando fazia-nos atrasados.
Pacificamente permanenciamos sentados numa verdade
de que não havia o que fazer.
Nada interrompia o beijo amanhecido,
a não ser a moléstia dos carros que não amavam ninguém.

Havia muito sol desde a janela.
O vento trancava-se conosco no compartimento branco
e as vozes que cantavam no rádio substituiam os pássaros escuros pela fumaça da vida.

Somos hoje souvernirs guardados dessas viagens de quase ontem?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009




O SEU SANTO NOME


Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 19 de setembro de 2009



Melancolia -Edvard Munch

Queria dançar a miséria humana.
Mas é tão óbvia que não a encontro no corpo.
Não é a miséria do prato vazio e do intestino seco.
Quero a Miséria, a mais desnutrida da alma de todos os que encontro, conhecidos ou não.
A miséria que nos dar um salário pifil
uma TV burra
e um beijo otário, to-dos os di-as da vi-da!
"E falecer num carrinho de lixo é tão injusto quanto morrer de amor,
ou pior ainda, quase morrer de amor",
disse seu josé carlos falecido de fome no hospital público do bairro
A miséria da falta de amor gerou todas as outras
pelos séculos dos séclos,
e Nijinski ficou louco
e Nietsche morreu antes de deus.
Deleuze ainda é lido,
mas ninguém dança mais,
os palcos tornaram-se mais pó desde a última bomba explodida.
No meu pé há uma ferida que não me deixa ensaiar,
no coração há muitas outras.
Mas a Dança espera a asperesa dos nossos sentidos limitados.
Bailarinos, escrevam seus pés para os palcos da rua,
das casas alheias
o mundo anda sitiado agora
há um novo muro de berlim em fortaleza, em tokio ou me paris.
há muitas faculdades de dança
e pouca gente dançaaaando no piano de Debussy.
Assisto no camarim o episódio que penso e vou embora sem aplaudir a obra:
morta e fracassada.
Chego e não durmo
Choro e não adianta,
a dança no meio do mundo falsa se cansa.
Sob a astrológica lua voei um dia.
Asa única de ícaro saudoso.
Meu coração, de tão penoso, pediu pra chorar com ele.

Vigiei estrelas cadentes,
o Halley mais recente,
e o poema que tinha perdido o universo caiu na minha mão.
Talvez foi só medo de voar mais e o sol consumir tudo, à tardinha.
Fiz descontroladamente o pouso raso no vaso da flor que te dei, sobrevivente.
Estamos os dois, a gérbera e eu sustentados ainda
pelo diálogo de perfume e memória.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009



VAN GOHG- shoes

Queria calçar-te saindo pelos dedos um sulco de suor de muito tempo de sapato.
Queria uma vida interia a caminhar sobre ti
a pisar teu corpo e senti-lo feito terra
a tocar as costas (tuas) feito mar,
misturando água e terra na praia
e ir no ar (mesmo que se gerasse um cacófato)

Brincar ao pôr-do-sol e vigar a noite com conversas.
Ter pouco dinheiro para divertir-nos, ou nem ter.
Escrever todo dia um poema e mandar por e-mail
Telefonar uma, duas, três, todas as vezes que minha voz quisesse que fosse tua.
Tomar banho tomando teu corpo liso do sabonete gasto
Ter um beijo misturado ao pão, café e sobre mesa sem toalha
Ter o tempo esfregando a mão na gente e sendo amigo íntimo.
Valorizar o teu abraço último como um todo e de sempre.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Julio Cortázar- 1960

Poema


Te amo por cejas, por cabello, te dabato en corredores blanquísimos donde se juegan las fuentes de la luz,
Te discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza de cicatriz
voy poniéndote en el pelo cenizas de relámapago y cintas que dormían en la lluvia
No quiero que tengas una forma, que seas precisamente lo que viene detrás de tu mano,
porque el agua, considera el agua, y los leones cuando se disuelven en el azúcar de la fébula,
y los gestos, esa arquitectura de la nada,
encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro.
Todo mañana es la pizarra donde te invento y te dibujo.
pronto a borrarte, así no eres, ni tampoco con ese pelo lacio, esa sonrisa.
Busco tu suma, el borde de la copa donde le vino es también la luna y el espejo,
busco esa línea que hace temblar a un hombre en una
galería de museo.

Además te quiero, y hace tiempo y frío.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Andei quase duas horas num estacionamento vazio
Dancei um tango dentro do banheiro
Tomei veneno e vomitei, de brincadeira
Só para saber a sensação do suicida.
Quis andar a cavalo, sentei no sofá quadrado esquecido na dispensa
e viajei olhando o mapa mundi, apontando ocm o dedo.

Lembrei de como fui hoje pela manhã, rude, beijos, carinhoso, agrado
Café com leite e pão para enfrentar o dia inteiro só, a ânsia de voltar pra casa
como se fosse um cárcere de refugio.
No trabalho, no asfalto, os amigos, aah, muita gente a conversar assuntos que nem sempre me interessam.
À noite, a noite e sua promessa de morte e vida
O vento tomando o corpo nulo
atravessando mais por dentro do que a janela ruidosa.
Futuro Amor- Alice

A falta que é ainda.

E ainda a vida, e a vinda de amor, medo e descobertas definitvas.
Tudo parecendo tranquilo
Mar calma, jangada afundando
e a lembrança acenando firme lá do fundo de alguma água,

ainda.



quarta-feira, 9 de setembro de 2009


Pintura: Paixão- Alice


Tentativas.Haveria por algumas horas uma sede de água, mas não seria só a água sobre a mesa a que me saciaria minha fome de algo líquido. Temeroso do que realmente quero percorro o corredor feito a um labirinto seis horas seguidas e me perco mais. Sento na almofada escura do canto da sala, mas o descanso é improvável. Algo me falta, escrevo para alguém, suando sobre o papel, mas desisto. Hesito comprar algo por telefone, mas esquecço que o dinheiro no banco me impediria de comprar comida neste exato momento, quando chove por toda a casa e a janela não fecha. Onde estará o dormitório que um dia preparei dentro de mim ? Falta-me um pensamento, uma idéia, uma metafísica sobre as coisas, inclusive sobre a água que exatamente hoje me faz falta. Morro de saudade de tudo, de mim. Daquela camisa vermelha que não dei de presente porque gostei. Das flores que murcharam porque não te mandei entregá-las, e vem uma lágrima, mas por quê , se o que me falta é apenas um copo d'água sem açucar que me tranquilize para sempre a sede de....

Vou embora, mas já estou em casa! Nem para onde ir tenho, nem para partir e me despedir sirvo. Esconderei minhas pinturas feias, meus cadernos rabiscados com o sonho de um poema, com o meu nome e o teu repetidos, variadamente nas ortografias tentadas, na minha peleja de fazer as coisas diferentes. A tv ligada, o forno aceso o café quase fervendo e a vida não acontecendo em nada. Todo dia acordo às seis e comprovo-me, vou suportando ouvir meu nome pronunciado pelos outros o dia inteiro e sinto-me feliz, por quê? Tudo o que tenho é a inútil sensação de que sou todo verdade. Faminto e sedento, sempre. escondido no guarda roupa meu medo de ser deveria ser entregue a um baú, mas não se fabricam mais baús, portanto tenho que guardar o velho medo das coisas junto às roupas novas, inéditas e inúteis. Minha hora já chegou, tenho que partir antes que eu mesmo chegue e me assalte com mais lembranças .

terça-feira, 8 de setembro de 2009

"Sinto- me compelido ao trabalho literário por ter visto Nijinski dançar." Murilo Mendes



domingo, 6 de setembro de 2009




Escrever poesia é quase tão óbvio quanto chamar pelo teu nome à noite
sabendo que não estarás ao meu lado.
Há um segredo nas palavras que elas não contam a ninguém
e eu, morro de medo delas,
parecem mais minhas inimigas e se disfarçam em companheiras
assassinando pouco a pouco o que me foi o poema ideal.
Amo, escovo os dentes,
tomo banho, choro por ti, pego ônibus,
sinto calor, viajo com outro, tenho saudade
e a poesia só me deixa lembranças, nem um abraço sequer.
Volto com frio à rotina, mas o poema ainda existe e quer ser feito.
Não há papel nem tinta
só a validade do sentimento que outrora formara a razão de tudo.


Pintura- Guitarrista- Picasso



Eu vim para que todos tenham vida,
mas eu morri.
É mais fácil um camelo entrar por um buraco de uma agulha
do que um rico entrar em meu reino, mas eles mandam no mundo.
Vá e não voltes mais a pecar: nem sempre leve isso a sério.

Pai, não os perdoe, eles sabem muito bem o que fazem.
Vão em paz, mas interfiram a história com a Guerra.

Cristo foi poeta sem publicação
sua poesia escreveu na carne e, talvez, em alma.
Rasgaram seu livro. A biblia não é o seu verdadeiro exemplar.
Cristo era pequeno, feio e pobre, mas se disse rei
e nos ensinou que amar a si mesmo não é narcisismo.

Pintura: Christus- Odilon Redon, 1988



Domesticaram a Cruz em Veneza
Incendiaram igrejas aqui ao meu lado
Profanaram o meu nome
e proibiram a Fé
Viva o Humanismo e sua desumanização paulatina.
Viva a pintura abstrata e a fé morta,
Cristo não faz sentido nem eu.

Minha oração, começo pelo Amém
e não vale nada meus joelhos feridos de promessas.
Deus é morto e ressucitou ao terceiro milênio
quando todos morrem de fome e a arte pode ser sepultada.

Pintura: Arnulf Reiner- A Cruz