segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009



Não, não há nenhuma poética universal: universal é a poesia, a vida mesma. Universal é Bizuza, cuja voz se apagou com a sua garganta desfeita há anos no fundo da terra. Universal é o quintal da casa, cheio de plantas, explodindo verde no dia maranhense, longe de Paris, de Londres, de Moscou. O frango que nasce e morre ali, entre as cercas de varas. O cheiro do galinheiro, a noite que passa arrastando bilhões de astros sobre nossa vida de pouca duração. Universal porque Bizuza, amassando pimenta-do reino numa cozinha de São Luis, pertence a Via- Láctea. E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola nos quintais, entre plantas e galinhas; nas ruas de subúrbios, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.

Sobre arte, sobre poesia: uma luz do chão.


Ferreira Gullar

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