sábado, 18 de abril de 2009

Daquela vez tinha que dar certo! Até o ônibus tinha vindo mais rápido e estava plenamente vazio ainda às sete da manhã, horário quando ele se lotavade vidas e bolsos vazios. A camisa amarrotada pelo ferro quente que já não passava como antes, intensificava a fisionomia apressada. O batom era o memso de todas as figuras femininas, da avon,vermelho, e foi passado com pressa nos lábios pertencentes a Roberto na noite anterior. Iria vê-lo novamente, mas dessa vez iria ser de modo natural e diferente, a noite de ontem tinha sido a única até aquele tempo todo na sua vida. Segurando no corrimão perto do cobrador, onde se encontrava de pé há quase 30 minutos, ela pensava com tanta força de memória para não se esquecer de nada do que aquele homem, o único, havia feito no corpo dela. Nunca... Nunca antes ela havia sido tão ela mesma e tão dependente de outro. As contas a pagar daquele mês foram diminuindo sua gravidade na vida e os meninos sem dinheiro da passagem para o mês inteiro, um problema fácil de resolver com um pequeno empréstimo com qualquer amigo ou parente. Não sabia, mas nada lhe faria tombar agora em pedras tão pequenas do cotidiano, pois o que ela sentia agora valia por toda a vida. Como seria o reencontro depois de seis horas de separação dos corpos? Elvira se perguntava repetidamente isso: como iria ser o reencontro naquela manhã, depois da noite mal dormida e da chegada inusitada uma a uma da madrugada?
As paradas iam passando rápido, as conversas de todos no coletivo parecia de uma surdez que ela estranhava tanto como o seu novo corpo de mulher querida e desejada. Uma ânsia de vômito lhe arrancou um arroto baixo e ela pediu descullpas como se a tivessem ouvido.
A bolsa de tira-colo foi presente da patroa, daqueles restos que os ricos costumam dar ao menos gente, mas que a ela parecia nova, como o jeans e a sandália que combinavam em cor. O marido havia deixado há poucos meses a casa com dois filhos, ela era seis anos mais nova, e mesmo assim, abandonou-a por uma com doze primaveras a mais. Mas não importava, ela já era de outro, vagamente, mas se sentia dona e possuída. A viagem até o trabalho lhe custava três reais e cinquenta centavos, sua casa pequena estava em um dos bairros da região metropplitana e o preço do ônibus lhe roubava uma parte considerável do ganho do mês. Seus 26 anos já tinham lhe dado a experiência de um casamento falido, vários tapas na cara e dois filhos homens. Tudo estava sobre suas costas, os pais do interior apenas telefonavam regularmente e sabiam que tudo estava bem. Elvira costumava mentir por quase tudo d emodo que a vida assim teria sabor mais fácil e úmido pra engolir.
Não ia à igreja nunca, algo que incomodava alguns do bairro que morava por perto. E ela era feia, mas não se lastimava por isso. A feiúra era natural nos pobres, pensava,pouco mais dinheiro ela tivesse e os cosméticos poderiam lhe transformar o aspecto magro do seu rosto.
Aquela segunda- feira lhe trouxe um rouge e sombras diferentes. Algum tempo ela tinha compradoa magquiagem de caixa com um vermelho dourado para enfeitar-se e ir ao casamento de uma amiga. Mas a vida lhe pesava tanto nos últimos tempos que só lhe permitiu pintá-la agora, depois de meses.

O ônibus continuava seu percurso, agora um pouco mais cheio, o que lhe causava suor nas axilas e um melado debaixo do braço, na camisa amarela.
Pálida, ela continuava seu destino impreciso para o trabalho, a esperança de um novo amor sem fracassos lhe insistia em acontecer depois de um tempo e aparecia do nada para enfeittar um céu com sol e o ônibus lotado como uma limosine. Nada, nada lhe faria sofrer naquele espaço apertado e quente.

Atendeu o celular que vibrava na bolsa à tira-colo, atendeu, mas desligaram. Subiu-lhe uma ânsia curiosa daquele número confidencial e a rara pergunta de quem haveria sido. Por uns segundos pensou que fosse ele, mas como se decepcionou a vida inteira com homens não quis se iludir nem mais um segundo, o que não foi um fato. Quis retornar a chamada e desceu do ônibus e deveria caminhar mais quinze minutos. Chegou apressada com mais suada ainda as axilas, teria que esperar até a hora do almoço pelo reencontro possível com ele no restaurante de pf's do centro antigo. Haveria de ser dele outra vez. Os preservativos trazidos na bolsa lhe davam uma segurança de que era real seu desejo, mas não poderia deixar muito aparente.
O dia já passava das cinco da tarde e Elvira voltava trêmula sentada, segurando o ferro no ônibus mendigando a esperança de que pelo menos ele ligaria antes dela dormir com seus dois filhos na cama de casal do seu ex-marido.

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